“Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor. Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade.” JESUS em Mateus 7:22-23.
Uma febre messiânica havia contagiado toda a Judéia. Todos esperavam na-siosamente por um Messias que os livrasse do domínio romano. Uma das razões pelas quais os judeus rejeitaram a Jesus, é que Ele não tinha o perfil do messias idealizado pelas expectativas populares. Eles não queriam um pacifista como Jesus, mas um general que inspirasse o povo judeu a uma revolta sangrenta contra Roma. Jesus, num certo sentido, não correspondia aos anseios populares. Mesmo operando tantos milagres e sinais, Sua mensagem era por demais pacifista. Ele, porém, já havia advertido a Seus discípulos acerca do aparecimento de falsos cristos: “Acautelai-vos, que ninguém vos engane. Pois muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo, e enganarão a muitos (...) Surgirão muitos falsos profetas, e enganarão a muitos (...) Então, se alguém vos disser: Olhai, o Cristo está aqui, ou ali, não lhe deis crédito. Pois surgirão falsos cristos e falsos profetas, e farão tão grandes sinais e prodígios que, se possível fora, enganariam até os escolhidos. Prestai atenção, eu vo-lo tenho predito. Portanto, se vos disserem: Olhai, ele está no deserto! Não saiais; ou, Olhai, ele está no interior da casa! Não acrediteis” (Mt.24:4-5, 11, 23-26).
O judaísmo apóstata provia um solo fértil para o aparecimento desses pseudocristos. E muitos deles surgiram do seio da própria igreja. Disso João atesta em sua primeira epístola, quando afirma:
“...já muitos anticristos têm surgido, pelo que conhecemos que é a última hora. Saíram do nosso meio, mas não eram dos nossos. Pois se tivessem sido dos nossos, teriam ficado conosco...” 1 JOÃO 2:18.
Um exemplo clássico disso foi o caso de Simão, o Mago (At.8:9-23). Eusébio, bispo de Cesaréia, conta que “Simão tornara-se tão célebre naquele tempo e exercia tamanha influência sobre aqueles que eram enganados por suas imposturas, que o consideravam o grande poder de Deus. Esse mesmo Simão, porém, admirado com os milagres extraordinários realizados por Filipe pelo poder de Deus, astutamente assumiu e até fingiu fé em Cristo, a ponto de ser batizado; e o surpreendente é que o mesmo é feito até hoje por aqueles que adotam sua mais torpe heresia. Esses, à maneira de seu fundador, insinuando-se na igreja como uma doença pestilenta e leprosa, infectaram com a maior corrupção as pessoas em quem conseguiram infundir seu veneno secreto, irremediável e destrutivo. Muitos desses, aliás, já foram expulsos depois de apanhados em sua perversão; como o próprio Simão sofreu seu merecido castigo quando detectado por Pedro.”[1] Simão era um que preenchia todos os requisitos básicos para ser classificado, tanto como “falso cristo”, quanto como “falso profeta”.
João tinha toda razão em dizer que o espírito do anticristo já estava operando em seus dias (1 Jo.4:3).
Eusébio nos informa que “o inimigo da salvação engendrou um estratagema para conquistar para si a cidade imperial e levou até ali Simão (...) Com a ajuda de artifícios insidiosos, ele agregou a si muitos dos habitantes de Roma”.[2]
Eusébio cita a apologia de Justino Mártir endereçada ao imperador Antonino, onde se lê:
“Após a ascensão de nosso Senhor ao céu, certos homens foram subornados por demônios como seus agentes e diziam serem deuses. Esses foram não somente tolerados, sem perseguição, como até considerados dignos de honra entre vós. Um deles foi Simão, certo samaritano da vila chamada Gitão. Este, no reinado de Cláudio César, ao realizar vários rituais mágicos pela operação de demônios, foi considerado deus em vossa cidade imperial de Roma e foi por vós honrado como um deus, com uma estátua entre as duas pontes no rio Tibre (numa ilha), tendo a subscrição em latim: Simoni Deo Sancto, ou seja, A Simão, o Santo Deus; e quase todos os samaritanos, também uns poucos de outras nações, o cultuam, confessando-o como o Deus Supremo.”[3]
Quem diria? Um samaritano figurando no panteão romano! De todos os falsos messias, nenhum obteve o destaque de Simão. Embora samaritano, suas pretensões eram de envenenar todo o mundo com suas heresias. A prova disso é que, astutamente, Simão desenvolveu uma doutrina trinitariana, proclamando-se “Pai” para os samaritanos, “Filho” para os judeus, e “Espírito Santo” para os romanos e demais nacionalidades. Jerônimo creditou a Simão a seguinte afirmação: “Sou a Palavra de Deus; eu sou o Consolador; sou o Todo-Poderoso, eu sou tudo quanto há de Deus”.[4] Não é à toa que seu nome é freqüentemente mencionado em antigos escritos fora da Bíblia, sendo considerado o arquiinimigo da igreja primitiva, e um dos principais líderes da heresia gnóstica. Irineu o considerava como uma das fontes dessa heresia. Sua influência foi tamanha que os hereges em geral eram apelidados pelos crentes primitivos de “simonianos”.
De todos os sinais que supostamente eram realizados por Simão Mago, o que mais chama a atenção é o citado por Clemente[5], que diz que Simão declarara ser capaz de transmitir vida e movimento às estátuas. De acordo com o Apocalipse, era justamente isso que a segunda besta se propunha a fazer:
"Foi-lhe concedido também que desse fôlego à imagem da besta, para que ela falasse, e fizesse que fossem mortos todos os que não adorassem a imagem da besta.”APOCALIPSE 13:15.
Os falsos profetas e os pseudocristos foram para a igreja primitiva o que Janes e Jambres foram para Moisés diante de Faraó. Bastava que Moisés fizesse um sinal, e logo os dois magos egípcios o copiavam. O primeiro sinal feito por Moisés foi a transformação de seu bordão em serpente. Aliás, foi Arão quem protagonizou esse sinal. Mas para surpresa deles, os magos conseguiram realizar o mesmo sinal. Porém, “a vara de Arão tragou as varas deles”(Êx.7:12). Assim como os sinais feitos por Filipe em Samaria desbancaram a impostura de Simão. A propósito, segundo relatos antigos, foi no Egito que Simão Mago aprendeu as artes mágicas.
Paulo advertiu a Timóteo acerca desses impostores: “E, como Janes e Jambres resistiram a Moisés, assim também estes resistem à verdade, sendo homens corruptos de entendimento e réprobos quanto à fé. Não irão, porém, avante; porque a todos será manifesta a sua insensatez, como aconteceu com a daqueles”(2 Tm..3:8-9). De fato, nenhum deles foi avante. De acordo com Hipólito, a última e mais ousada exibição de poder de Simão foi justamente a que resultou em sua morte. Ele foi capaz de sepultar-se vivo, afirmando que em três dias reapareceria vivo. Entretanto, não o fez. Por fim, foi declarado: “Ele não era o Cristo”.[6]
Pedro tinha inteira razão ao repudiar Simão em sua tentativa de adquirir o dom do Espírito Santo por dinheiro. “Tu não tens parte nem sorte neste ministério”, declarou o santo apóstolo. O ministério de Simão era outro; aquele que Paulo chamou de “mistério da injustiça”, que é “segundo a eficácia de Satanás, com todo poder, e sinais e prodígios da mentira”(2 Ts.2:7a,9).
Eusébio cita vários deles. Fala, por exemplo, de um tal Menander, discípulo de Simão, o Mago, que, segundo ele, “manifestou-se em sua conduta um instrumento de perversão diabólica não inferior ao predecessor (...) revelou pretensão ainda mais arrogante a milagres; dizendo ser na verdade o Salvador”.[7]
Citando Josefo, Eusébio fala sobre um impostor egípcio, citado também em Atos dos Apóstolos: “Depois de entrar no país e assumir autoridade de profeta, reuniu cerca de trinta mil que foram enganados por ele. Depois os levou do deserto para o monte das Oliveiras, determinado entrar em Jerusalém pela força e, após subjugar a guarnição romana, tomar o governo do povo, empregando seus seguidores como escolta. Mas Félix, antecipando-se ao ataque, saiu a seu encontro com o exército romano, e todo o povo participou da defesa, de modo que quando se travou a batalha, o egípcio fugiu com uns poucos e a maior parte dos que o acompanham foi destruída ou capturada.”[8]
Josefo diz que Jerusalém estava infestada de ladrões e magos. “Enquanto os ladrões enchiam Jerusalém de crimes, os magos, por seu lado, enganavam o povo e o levavam ao deserto, prometendo-lhe mostrar milagres e prodígios. Mas Félix castigou-os imediatamente, por sua loucura; mandou prender e matar a vários. Por esse mesmo tempo veio um homem do Egito a Jerusalém, que se vangloriava de ser profeta. Persuadiu um grande número de pessoas que o seguisse ao monte das Oliveiras, que estava muito perto da cidade, apenas distante uns cinco estádios e garantiu-lhes que, depois de ter ele proferido algumas palavras, veriam cair os muros de Jerusalém, sem que mais fossem necessárias as portas para lá se entrar.”[9]
Jerônimo fala acerca de um tal Barcocabe que fingia vomitar fogo da própria boca. Esse homem, além de ser aclamado por muitos como sendo o messias, teve sua reivindicação messiânica confirmada pelo famoso rabino Akiba. Inicialmente, fora chamado de Barcocabe, que quer dizer “filho da estrela”, mas quando seu engodo foi descoberto, passou a ser chamado de Barcoziba, “filho da mentira”. [10]
Foi por ver o fim de muitos movimentos “messiânicos”, que Gamaliel emitiu o famoso veredicto acerca da uma nova “seita” que surgia no cenário judaico. Levantando-se no Sinédrio, o respeitado religioso disse:
"Israelitas, acautelai-vos a respeito do que haveis de fazer a estes homens. Algum tempo atrás levantou-se Teudas, dizendo ser alguém, e a este se ajuntou cerca de quatrocentos homens. Ele foi morto, e todos os que lhe deram ouvidos, dispersos e reduzidos a nada. Depois deste levantou-se Judas, o galileu, nos dias do recenseamento, e levou muito povo após si. Mas também este pereceu, e todos os que lhe deram ouvidos foram dispersos. Por isso vos digo: Dai de mão a estes homens, deixai-os, pois se este conselho ou esta obra é de homens, se desfará, mas se é de Deus, não podereis desfazê-la, para que não aconteça serdes também achados combatendo contra Deus.”ATOS 5:35-39.
Foi aos pés desse mestre que Paulo foi educado. Parece, porém, que Paulo não deve ter ouvido tal conselho, pois ninguém combateu mais a nova “seita” naqueles dias do que ele. Porém, a sua conversão ao cristianismo demonstrou que Gamaliel tinha toda razão.
No fim o “cajado” da Igreja acabou engolindo as serpentes dos falsos profetas.
O fazer descer fogo do céu não deve ser entendido literalmente. Trata-se de uma hipérbole intencional, que visava enfatizar a malignidade e o poder com que tais profetas enganariam o povo e impressionaria a própria besta.
De acordo com Alford, “a aristocracia romana estava peculiarmente debaixo da influência dos astrólogos e dos mágicos, alguns dos quais eram judeus”.[11]
Sabe-se que as autoridades romanas eram freqüentemente atraídas por tais manifestações prodigiosas. Lucas registra em Atos que Paulo e Barnabé “acharam certo judeu mágico, falso profeta, chamado Bar-Jesus, o qual estava com o procônsul Sérgio Paulo, homem prudente. Este, chamando Barnabé e Saulo, procurava muito ouvir a palavra de Deus. Mas resistia-lhes Elimas, o encantador ( que assim se interpreta o seu nome ), procurando apartar da fé o procônsul. Todavia Saulo, que também se chama Paulo, cheio do Espírito Santo, fitando os olhos nele, disse: Ó filho do diabo, cheio de todo o engano e de toda a malícia, inimigo de toda a justiça, não cessarás de perturbar os retos caminhos do Senhor? Agora a mão do Senhor está contra ti, e ficarás cego, sem ver o sol por algum tempo. No mesmo instante caiu sobre ele uma névoa e trevas, e, andando à roda, buscava quem o guiasse pela mão. Então o procônsul, vendo o que havia acontecido, creu, maravilhado da doutrina do Senhor”(At.13:6b-12). O nome Barjesus significa literalmente “filho de Jesus’, ou “filho da salvação”; ironicamente, Paulo o chamou de “filho do diabo”, o mesmo nome dado por Jesus aos religiosos judeus que se diziam filhos de Abraão (Jo.8:44). Assim como aconteceu com Moisés e os magos egípcios, o poder que havia em Paulo se mostrou superior à mágica daquele falso profeta.
[1] CESARÉIA, Eusébio de, História Eclesiástica, Livro II Cap.I.
[2] Ibid., Cap.XIII
[3] Ibid., Cap.XIII
[4] CHAMPLIN, R.N., O Novo Testamento interpretado versículo por versículo, Vol.III, pág.172.
[5] Recog.iii.47 e Hom.II.32.
[6] CHAMPLIN, R.N., O Novo Testamento interpretado versículo por versículo, Vol.III, pág.172.
[7] CESARÉIA, Eusébio de, História Eclesiástica, Livro III, Cap.XXVI
[8] Ibid., Livro II, Cap. XXI
[9] JOSEFO, Flávio, História dos Hebreus, Livro XX, 6:849.
[10] CHAMPLIN, R.N., O Novo Testamento interpretado versículo por versículo, Vol.I, pág.562.[11] Ibid., Livro III, pág.261.
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